Nota de Repúdio

O PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO E JUSTIÇA SOCIAL da Faculdade de Direito da

Universidade Federal do Rio Grande (PPGDJS/FADIR/FURG) repudia, veementemente, o despacho/decisão na Ação Popular nº 5000681-64.2023.4.04.7101/RS, proferida no dia 27 de fevereiro de 2023, pela 2ª Vara Federal do Rio Grande/RS, pois suspende, liminarmente, “os efeitos da RESOLUÇÃO CONSUN/FURG n°. 11/2022 e do EDITAL DO PROCESSO SELETIVO 2023 ESPECÍFICO PARA INGRESSO DE ESTUDANTES TRANSGÊNERO”.

 

A referida Decisão é uma afronta ao princípio da autonomia das universidades públicas, conferido pelo artigo 207 da Constituição Federal, in verbis, “as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e gestão”, pois, ao suspender a RESOLUÇÃO CONSUN/FURG n°. 11/2022 e o EDITAL DO PROCESSO SELETIVO 2023 ESPECÍFICO PARA INGRESSO DE ESTUDANTES

TRANSGÊNERO” interfere na autonomia universitária que, ao contrário do que foi afirmado, em hipótese alguma feriu os princípios da legalidade administrativa, da reserva de lei e o disposto na Lei n°. 12.711, de 29 de agosto de 2012.

 

Cabe recordar que a evasão escolar reflete profundamente na vida das pessoas trans e travestis e, por consequência, na sua quase ausência das Universidades Federais Brasileiras. Em 2018, o Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis realizou a “V Pesquisa Nacional de Perfil Socioeconômico e Cultural dos (as) graduandos (as) das Instituições Federais”. A análise da diversidade de gênero nas universidades públicas concluiu que há cis-normatividade nos espaços, pois apenas 0,2% das pessoas se declaram trans1.

 

De acordo com dados apresentados pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), o Brasil possui 82% de exclusão escolar de travestis e transexuais, aumentando a vulnerabilidade e favorecendo o aumento da violência contra essa população.2 Além disso, diante da falta de oportunidades de trabalho e emprego, 90% de travestis e mulheres transexuais trabalham com prostituição

Com o objetivo de abrir espaços de inclusão, o Estado do Rio Grande do Sul implementou ações afirmativas para grupos vulneráveis, criando cotas para trans e indígenas em concursos públicos4. No Brasil, várias universidades públicas têm firmado políticas de inclusão para a população trans. Como exemplo disso, a UFABC reserva 50% das vagas da graduação para estudantes de escola pública, com renda familiar baixa, para pessoas com deficiência, em situação de refúgio e trans5.

 

Também a Universidade Federal do Rio Grande (FURG) divulgou, em 25 de outubro de 2022, a abertura do processo seletivo para o ingresso de estudantes transgêneros no ano de 2023. As vagas seriam destinadas às pessoas trans que comprovassem que estudaram integralmente em escolas públicas ou que tenham recebido bolsa integral em escola particular e que não possuíam o ensino superior completo6. A FURG, ao abrir vagas para pessoas trans, visava “garantir uma educação pública, gratuita e de qualidade, com um olhar atento às invisibilizações e vulnerabilidades sociais”, com um papel fundamental na transformação da realidade das pessoas e da própria universidade7.

 

A decisão da Egrégia Vara Federal do Rio Grande/RS perpetua a exclusão das pessoas trans, viola Direitos Humanos, eterniza a cis-hetero-normatividade, institucionaliza a transfobia e ignora a autonomia universitária. Motivos pelos quais manifestamos nosso repúdio.

 

No mesmo sentido, o PPGGDJS/FADIR/FURG vem a público reforçar que a referida decisão e o conteúdo da peça inicial na qual se embasa denomina, equivocadamente, de militância acadêmica o que o PPGDJS entende como defesa incondicional dos valores e princípios constitucionais, dos Direitos Humanos e da Justiça Social. Por todo o teor, desagravamos a lamentável decisão, lembrando, ademais, que o Prof. Dr. Renato Duro Dias, docente deste Programa, trata-se de um dos pesquisadores referência nesta área, coordenando importante Grupo de Pesquisa, com vasta produção em Periódicos Nacionais e Internacionais.

 

Rio grande, 1 de março de 2023.

 

 

 

 

 

Disponível em: https://s1.static.brasilescola.uol.com.br/vestibular/2022/03/pesquisa-andifes-perfil-graduandos-2018.pdf

ANTRA.     BRASIL    INVISIBILIZA      E     SE     OMITE     DAS     QUESTÕES     LGBTI     FRENTE     A     ONU.     Disponível em:

https://antrabrasil.org/2019/07/12/brasil-invisibiliza-e-se-omite-das-questoes-lgbti-frente-a-onu/

ANTRA. ATRA REPRESENTRA O BRASIL EM AUDIÊNCIA NA CIDH SOBRE A SITUAÇÃO DAS PESSOAS LGBTI. Disponível em:

https://antrabrasil.org/2019/11/21/antra-representa-o-brasil-em-audiencia-na- cidh/#:~:text=Segundo%20informa%C3%A7%C3%B5es%20oferecidas%20por%20Benevides,devido%20%C3%A0%20falta% 20de%20oportunidades.

 

Estado cria cotas para trans e indígenas em concursos públicos. Disponível em: https://estado.rs.gov.br/estado-cria-c otas-para-trans-e-indigenas-em-concursos-publicos

UMA      A       CADA      TRÊS       UNIVERSIDADES        FEDERAIS       TEM       COTA      PARA      TRANS.       Disponível em:

https://valor.globo.com/brasil/noticia/2022/06/28/uma-a-cada-tres-universidades-federais-tem-cota-para-trans.ghtml 6FURG       abre      inscrições      para      ingresso       de      estudantes       transgêneros      em      2023.      Disponível em: https://www.furg.br/noticias/noticias-institucional/furg-abre-inscricoes-para-ingresso-de-estudantes-transgenero-em-

2023#:~:text=A%20Universidade%20Federal%20do%20Rio,de%20gradua%C3%A7%C3%A3o%20presenciais%20da%20univ

ersidade.

dem, ibidem.